A prática
esportiva e as atividades motoras se apresentam como forma de estimular o
desenvolvimento e a socialização de crianças e adolescentes autistas.
Numa academia do
Rio de Janeiro, crianças se divertem durante a sessão de ginástica artística do
Profissional de Educação Física Rodrigo Brívio (CREF 017431- G/RJ). Esses
meninos e meninas, com idades entre três e 15 anos, desviam de cones colocados
em cima da trave, saltam em bambolês dispostos no tatame, pulam e cantam na
cama elástica. Crianças muito diferentes entre si, mas com um diagnóstico em
comum: o autismo.
Tudo começou há
quase quatro anos, quando um aluno autista se inscreveu na academia e foi encaminhado
a Rodrigo, que já havia trabalhado com Educação Física Especial. “Eu comecei
com o Vítor. Aí a mãe dele chamou outra mãe, que chamou outra mãe, que chamou
outra...”, conta Brívio, que, a partir desse primeiro aluno, foi recebendo mais
outros, vindos por indicação não só de pais, mas também de profissionais da
área médica. Só com a propaganda boca-a-boca (“Eu não tenho cartão de visita,
nada”), o número de crianças atendidas pulou para 30 – e ainda há uma lista de
espera.
As sessões de
ginástica artística estimulam o contato físico e fazem com que as crianças
desenvolvam sua motricidade e formas de se comunicar, através de palmas ou
gestos – algumas até mesmo ensaiam suas primeiras palavras. “Os autistas são
muito resistentes ao toque. E o Rodrigo, com essa brincadeira, essa interação,
consegue se aproximar e quebrar essa barreira”, conta Marcos Callipo, pai de
uma das crianças atendidas pelo profissional. Ele aponta outro ganho que a
atividade traz para os praticantes. “No autismo, você tem que, a todo o
momento, impor limites. E com essas atividades, o Rodrigo vai aos poucos
conseguindo impor esse limite. Em um mês já dá pra ver bastante resultado”,
atesta.
A empolgação desses
pais com os resultados obtidos pela ginástica artística pode ser conferida pela
própria taxa de evasão, próxima a zero. “Perdi apenas um aluno, de três anos e
meio pra cá. As crianças não saem daqui. Não saem”, frisa Rodrigo.
Em Alagoas,
atividades motoras para autistas
Subindo um pouco no
mapa do Brasil, mais especificamente indo para a Universidade Federal de
Alagoas, conhecemos outro projeto que usa a Educação Física para desenvolver as
potencialidades de crianças e adolescentes autistas e, de quebra, contribuir na
formação de profissionais de Educação Física aptos a lidar com indivíduos com
autismo. A prof. Chrystiane Toscano (CREF 000444-G/SE) coordena o Projeto de
Extensão em Atividades Motoras dirigidas a Crianças e Adolescentes com Autismo
(Premaut) que, com apenas dois anos, já realizou um Seminário sobre o tema em
abril deste ano. O auditório lotado e a grande participação de profissionais de
Educação Física e de Pedagogia mostram que há um grande interesse em saber como
trabalhar com esse público.
O Premaut foi criado
por Chrystiane em 2009, a partir de uma demanda identificada durante visitas
realizadas a instituições que prestam atendimento a esse público. Ela percebeu
que esses locais não tinham profissionais de Educação Física dentro da equipe
psicoterapêutica e, mesmo quando havia o profissional, este expressava a
necessidade de uma formação exclusiva para atender ao público autista. Com esse
diagnóstico em mãos e a experiência que já possuía na área, Chrystiane iniciou
um grupo e estudos na UFAL que pudesse responder às lacunas do atendimento aos
indivíduos com autismo. “Creio que existem, em todo país, poucos profissionais
com formação adequada para desenvolver projetos que possam atender às
especificidades da pessoa com autismo. Acredito que a universidade, assim como
outras instituições formadoras, tem esta responsabilidade social. Eu,
particularmente, estou fazendo a minha [parte]”, conta.
O Projeto começou
com dez crianças, com idades entre oito e 12 anos. Em 2010, a pedido dos
Centros de Atenção Psicossocial Infantil de Maceió, o Premaut ampliou a ação e
passou a atender também oito adolescentes com autismo. Hoje, o grupo é composto
por oito crianças e cinco adolescentes – de acordo com Chrystiane, a saída de
alguns deles teve como causas a dificuldade de transporte ou a necessidade de
frequentar escolas especializadas no horário das atividades do projeto, que
acontecem às terças e quintas, das 14h30 às 16h.
Na interação com as
crianças e adolescentes autistas, a equipe do Premaut tem observado que é preciso
fazer ajustes de metodologia para auxiliá-los na aprendizagem motora. “A
fórmula ‘desenvolvimento normal em ritmo desacelerado’ não se aplica à pessoa
com autismo. Em nosso projeto temos encontrado, a partir da utilização de
instrumentos de avaliação de desenvolvimento motor, que as pessoas com autismo
modificam seus padrões motores em diferentes velocidades”, relata.
Observação e
persistência
Para atender não só
a autistas, mas a qualquer público com necessidades específicas, todos sabemos
que o Profissional de Educação Física tem que se informar a fundo sobre seus
sintomas e suas limitações. No caso do autismo, os portadores do transtorno
podem apresentar afetação qualitativa nas suas relações sociais, alterações da
comunicação e da linguagem, falta de flexibilidade mental e comportamental.
Mas, para
Chrystiane Toscano, só esse conhecimento não basta. O Profissional deve levar
em conta, também, todo o contexto social em que a criança ou o adolescente está
inserido, ou seja: a observação é fundamental. “Conhecer sua história de vida e
identificar quais são as suas possibilidades e dificuldades reais de interação
com o meio me conduz à projeção de seleções de procedimentos mais legítimos”,
explica.
Rodrigo Brívio
acrescenta outra qualidade que o profissional de Educação Física deve ter para
trabalhar com autistas. “Além do conhecimento, tem que ter persistência. Você
sabe da capacidade daquele aluno, vê que somente ele é capaz de fazer aquele
determinado exercício e ele não faz, e eu não sei explicar porque ele não quer
fazer. Você tem que persistir naquilo que acredita que realmente vai dar certo”.
Ele também alerta
para que o profissional tenha preparo emocional a fim de poder conviver com
todas as dificuldades que os autistas enfrentam no seu cotidiano, pois o
envolvimento é inevitável. “Não adianta dizer que vai ser só alegria, que vai
vir pra cá e fazer um trabalho bonito, não é bem assim. Você conquista coisas
junto, sofre junto com aquele aluno por questões da escola: a dificuldade
dessas crianças com a escola é muito grande, é uma batalha a cada dia. Então
não é “fiz aqui os 35 minutos, acabou e tchau”. Não é isso. O envolvimento
emocional é muito grande” .
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