sábado, 30 de novembro de 2013

Educação Física e Autismo

A prática esportiva e as atividades motoras se apresentam como forma de estimular o desenvolvimento e a socialização de crianças e adolescentes autistas.


Numa academia do Rio de Janeiro, crianças se divertem durante a sessão de ginástica artística do Profissional de Educação Física Rodrigo Brívio (CREF 017431- G/RJ). Esses meninos e meninas, com idades entre três e 15 anos, desviam de cones colocados em cima da trave, saltam em bambolês dispostos no tatame, pulam e cantam na cama elástica. Crianças muito diferentes entre si, mas com um diagnóstico em comum: o autismo.


Tudo começou há quase quatro anos, quando um aluno autista se inscreveu na academia e foi encaminhado a Rodrigo, que já havia trabalhado com Educação Física Especial. “Eu comecei com o Vítor. Aí a mãe dele chamou outra mãe, que chamou outra mãe, que chamou outra...”, conta Brívio, que, a partir desse primeiro aluno, foi recebendo mais outros, vindos por indicação não só de pais, mas também de profissionais da área médica. Só com a propaganda boca-a-boca (“Eu não tenho cartão de visita, nada”), o número de crianças atendidas pulou para 30 – e ainda há uma lista de espera.


As sessões de ginástica artística estimulam o contato físico e fazem com que as crianças desenvolvam sua motricidade e formas de se comunicar, através de palmas ou gestos – algumas até mesmo ensaiam suas primeiras palavras. “Os autistas são muito resistentes ao toque. E o Rodrigo, com essa brincadeira, essa interação, consegue se aproximar e quebrar essa barreira”, conta Marcos Callipo, pai de uma das crianças atendidas pelo profissional. Ele aponta outro ganho que a atividade traz para os praticantes. “No autismo, você tem que, a todo o momento, impor limites. E com essas atividades, o Rodrigo vai aos poucos conseguindo impor esse limite. Em um mês já dá pra ver bastante resultado”, atesta.


A empolgação desses pais com os resultados obtidos pela ginástica artística pode ser conferida pela própria taxa de evasão, próxima a zero. “Perdi apenas um aluno, de três anos e meio pra cá. As crianças não saem daqui. Não saem”, frisa Rodrigo.



Em Alagoas, atividades motoras para autistas


Subindo um pouco no mapa do Brasil, mais especificamente indo para a Universidade Federal de Alagoas, conhecemos outro projeto que usa a Educação Física para desenvolver as potencialidades de crianças e adolescentes autistas e, de quebra, contribuir na formação de profissionais de Educação Física aptos a lidar com indivíduos com autismo. A prof. Chrystiane Toscano (CREF 000444-G/SE) coordena o Projeto de Extensão em Atividades Motoras dirigidas a Crianças e Adolescentes com Autismo (Premaut) que, com apenas dois anos, já realizou um Seminário sobre o tema em abril deste ano. O auditório lotado e a grande participação de profissionais de Educação Física e de Pedagogia mostram que há um grande interesse em saber como trabalhar com esse público.


O Premaut foi criado por Chrystiane em 2009, a partir de uma demanda identificada durante visitas realizadas a instituições que prestam atendimento a esse público. Ela percebeu que esses locais não tinham profissionais de Educação Física dentro da equipe psicoterapêutica e, mesmo quando havia o profissional, este expressava a necessidade de uma formação exclusiva para atender ao público autista. Com esse diagnóstico em mãos e a experiência que já possuía na área, Chrystiane iniciou um grupo e estudos na UFAL que pudesse responder às lacunas do atendimento aos indivíduos com autismo. “Creio que existem, em todo país, poucos profissionais com formação adequada para desenvolver projetos que possam atender às especificidades da pessoa com autismo. Acredito que a universidade, assim como outras instituições formadoras, tem esta responsabilidade social. Eu, particularmente, estou fazendo a minha [parte]”, conta.


O Projeto começou com dez crianças, com idades entre oito e 12 anos. Em 2010, a pedido dos Centros de Atenção Psicossocial Infantil de Maceió, o Premaut ampliou a ação e passou a atender também oito adolescentes com autismo. Hoje, o grupo é composto por oito crianças e cinco adolescentes – de acordo com Chrystiane, a saída de alguns deles teve como causas a dificuldade de transporte ou a necessidade de frequentar escolas especializadas no horário das atividades do projeto, que acontecem às terças e quintas, das 14h30 às 16h.

Na interação com as crianças e adolescentes autistas, a equipe do Premaut tem observado que é preciso fazer ajustes de metodologia para auxiliá-los na aprendizagem motora. “A fórmula ‘desenvolvimento normal em ritmo desacelerado’ não se aplica à pessoa com autismo. Em nosso projeto temos encontrado, a partir da utilização de instrumentos de avaliação de desenvolvimento motor, que as pessoas com autismo modificam seus padrões motores em diferentes velocidades”, relata.

Observação e persistência


Para atender não só a autistas, mas a qualquer público com necessidades específicas, todos sabemos que o Profissional de Educação Física tem que se informar a fundo sobre seus sintomas e suas limitações. No caso do autismo, os portadores do transtorno podem apresentar afetação qualitativa nas suas relações sociais, alterações da comunicação e da linguagem, falta de flexibilidade mental e comportamental.


Mas, para Chrystiane Toscano, só esse conhecimento não basta. O Profissional deve levar em conta, também, todo o contexto social em que a criança ou o adolescente está inserido, ou seja: a observação é fundamental. “Conhecer sua história de vida e identificar quais são as suas possibilidades e dificuldades reais de interação com o meio me conduz à projeção de seleções de procedimentos mais legítimos”, explica.


Rodrigo Brívio acrescenta outra qualidade que o profissional de Educação Física deve ter para trabalhar com autistas. “Além do conhecimento, tem que ter persistência. Você sabe da capacidade daquele aluno, vê que somente ele é capaz de fazer aquele determinado exercício e ele não faz, e eu não sei explicar porque ele não quer fazer. Você tem que persistir naquilo que acredita que realmente vai dar certo”.


Ele também alerta para que o profissional tenha preparo emocional a fim de poder conviver com todas as dificuldades que os autistas enfrentam no seu cotidiano, pois o envolvimento é inevitável. “Não adianta dizer que vai ser só alegria, que vai vir pra cá e fazer um trabalho bonito, não é bem assim. Você conquista coisas junto, sofre junto com aquele aluno por questões da escola: a dificuldade dessas crianças com a escola é muito grande, é uma batalha a cada dia. Então não é “fiz aqui os 35 minutos, acabou e tchau”. Não é isso. O envolvimento emocional é muito grande” .


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